terça-feira, 12 de outubro de 2010

46º CAFÉ FILOSÓFICO





“AS EMOÇÕES LIBERTAM-NOS?”


Após as escolha da pergunta a ser debatida nesta sessão o grupo iniciou de imediato o esforço dialéctico de troca argumentos entre quem defendia que as emoções não nos libertam e aqueles que defendiam que sim, as emoções libertam-nos. Entre os primeiros posicionava-se o Amadeu que argumentava que as emoções nos “induzem um comportamento automático, logo condicionam as nossas acções.” Curiosamente uma participante utilizou esta mesma razão (o condicionamento emocional) para argumentar em sentido contrário ao do Amadeu. “Exactamente porque nos condicionam as emoções libertam-nos da responsabilidade da escolha. Somos levados por elas e isso é libertador.” (Rika)
Também houve quem defendesse que as emoções não nos libertam  pois não "fazem parte de nós" (Paula II). Este argumento começou por parecer a muitos de nós algo ingénuo, no sentido em que não viamos como é que por algo "fazer parte de nós" impede que nos liberte. No entanto alguns participantes viram algo de profundo e interessante nesta intervenção da Paula e continuaram a pensar nela para além do Café Filosófico (ver nota 3).

Desde o início da discussão que foi reconhecida a necessidade de percebermos “de que é que falamos quando falamos de emoções?” Para uns tratava-se de “expressão das emoções”, para outros das “emoções em si mesmas”. Além destes dois sentidos para o termo “emoção” o grupo encontrou ainda outros tipos de emoções possíveis: emoções culturais como a vergonha e emoções instintivas como alguns tipos de medo muito básicos. A Paula (Paula I) lançou ainda a hipótese de termos algumas emoções racionais ou seja emoções que dependem de algum tipo de processamento cognitivo para existirem (ver notas 1 e 2 ).

Após classificarmos os diferentes tipos de emoções percebeu-se que era importante determinarmos a que tipo de emoções cada um de nós se referia nas suas respostas para saber se esse tipo de emoção é ou não libertadora. Lançou-se a hipótese de as emoções serem libertadoras num determinado sentido do termo e “não libertadoras” noutro sentido.
O Paulo arriscou ainda o conceito de emoções sentimentais como a saudade. O grupo dividiu-se quanto à aceitação ou não desta categoria uma vez que alguns dos participantes classificaram a saudade como uma emoção instintiva "pois todos os seres humanos e alguns animais sentem saudades", outros classificaram-ma de emoção cultural, alegando estes que “só em Portugal existe a palavra saudade”(Paula). Este argumento foi imediatamente criticado pelo Sérgio para quem “a inexistência da palavra saudade não implica a inexistência da emoção saudade noutras culturas. Deixámos o aprofundar desta interessante questão para outro Café Filosófico e procurámos sintetizar algumas das ideias e conceitos com que nos debatemos nesta sessão através de uma ronda de respostas a uma última pergunta, de alguma forma ligada à questão inicial:

“A razão liberta-nos?”

Algumas das respostas dos participantes:

- "Obviamente que não. Ela espartilha demasiado a realidade." (Paula I)

- "Sim, porque nos permite tomar decisões em consciência e escolher o caminho que entendemos ser o mais indicado." (Tiago)

"A razão NÃO nos liberta porque nos encadeia em sistemas de relações formais e 'mecânicas' (abstracto) independente da nossa vontade (imersa numa realidade concreta e tendencialmente caótica, aleatória ou, pelo menos, ininteligível na sua totalidade)". (Paulo M.)




nota 1  - A questão da racionalidade das emoções é um ponto chave no debate actual entre cognitivistas e não cognitivistas em teoria das emoções. Escrevi algo sobre este tema no número 11 da Revista Intelectu - http://intelectu.com/arquivo.html

nota 2 - A Paula acabou de me enviar via Facebook a seguinte correcção da sua intervenção acerca das emoções racionais:

"Ó Tomás, a Paula não acredita que haja emoções racionais. Pode haver a tentativa de racionalização de emoções, o que é bem diferente. A Paula só lançou essa ideia em contraponto com a ideia de "emoções sentimentais"!

Fica aqui a correcção e a minha resposta que seguiu também via Facebook:
"Olá Paula, obrigado pela correcção.

Mas nesse caso repare que se a Paula fala numa "racionalização das emoções" (uma explicação ou interpretação das emoções) não está a falar de um tipo de emoções e, nesse caso, não está na verdade a apresentar um "contraponto" à ideia de "emoções sentimentais" (essas sim um tipo de emoção pelo que concluímos ontem)."

A continuação do debate aqui

nota 3 - Continuam a chegar adendas à discussão. Publico aqui parte do mail que o Paulo M. me enviou a respeito da questão inicial "As emoções libertam-nos?"

- "Curiosamente, acho que a resposta mais interessante à primeira pergunta foi mesmo a da Paula (Paula II)! Intuitivamente, na imediatidade de alguma "ingenuidade", algo lhe parecia mal, mas não foi capaz de o verbalizar...

Na minha opinião, ela mencionou um factor muito curioso ao afirmar na resposta à primeira pergunta que "as emoções estão sempre presentes no ser humano"! Ora, a meu ver ainda, é verdade que as emoções são tão constitutivas da nossa "humanidade" (tal como a 'razão') que não devem ser uma fonte 'primária' da "liberdade" (que não é a mesma coisa que 'sensação de liberdade').

Na verdade, acho que fomos vítimas de mais um exemplo da 'magia dos conceitos' - posta a questão "As emoções libertam-nos?", deixamo-nos levar pelo impulso e damos como admitido que são dois dois termos relacionáveis dentro da grelha que impõe a própria enunciação da pergunta...

Na verdade, a pergunta é tão "capciosa" que podemos substituir um dos termos por qualquer outro...

"A água liberta-nos?", "O vinho liberta-nos?", "As portas aprisionam-nos?"...

A "questão oculta" é saber o que é a liberdade... (ou o que são as emoções ou a razão, de resto)

A razão é inoperante sobre conceitos vagos...

É só um desabafo... vivemos numa cultura tão prisioneira da "espuma dos dias" que nos recusamos a enfrentar o medo do abismo (que é o pensamento crítico)...

Para mim foi curioso observar como a posição mais "ingénua" da Paula foi mesmo a que suscitava uma reflexão mais profunda... e é isso o que de mais belo têm estes cafés!!!"


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