domingo, 18 de julho de 2010
Jovens Filósofos 2010 "Existe matéria no Universo?" Bernardismo vs. Baptistismo
Aula 12 – 13 de Julho (Turma 1A – 3ª semana)
“Pensar o impensável”
No início de cada sessão basta esta expressão escrita “Pensar o impensável” para suscitar expressões de incómodo, desagrado e incompreensão por parte dos alunos. Excelente começo, portanto.
“Pensar o impensável não é possível." Dizem alguns.
”Não podemos pensar o que não se pode pensar.” Dizem outros.
“É uma contradição pensar o que não é possível pensar.” Idem aspas.
É quando lhes perguntamos se é impensável pensar que a expressão “Pensar o impensável” faz sentido que começa a fazer-se luz nas suas cabeças. Alguns alunos procuram então perceber o significado dessa misteriosa expressão, e daí surge naturalmente a pergunta “O que é pensar o impensável?”
“É pensar o que ainda não pensámos”, diz-nos o Bernardo. “Pensar o impensável é tentar explicar o impossível.” “E para que serve explicar o impossível”, perguntamos. “Serve para percebermos por que motivo é impossível.”
“Eu não concordo”, diz o Orlando”, para mim pensar o impensável é pensar em coisas que ninguém se interessa porque ninguém pensa a sério nelas.”
Apesar das insistências para darmos a nossa própria interpretação desta expressão preferimos não matar a sua curiosidade e deixar no ar outros possíveis significados.
Convidámos então os alunos a formularem uma frase que considerassem uma “verdade absoluta”, ou seja uma frase que fosse impensável considerar falsa. Depois pedimos a todos que “pensassem o impensável” procurando refutar cada uma das verdades com que nos íamos defrontando.
“Os humanos respiram”, foi a primeira verdade absoluta da sessão, e foi avançada pela Helena.
Depois de uns breves minutos iniciais de reflexão surgiu a primeira crítica pela mão da Lília: “Quando morremos deixamos de respirar mas continuamos humanos. Por isso há humanos que não respiram: os mortos.”
Como costuma acontecer as outras críticas vieram em catadupa. “Esta verdade é incompleta”, arriscou o Guilherme, “não diz o que é que respiramos. Se água, dióxido de carbono, areia ou oxigénio. Por isso não pode ser uma verdade absoluta”.
“Nem só os humanos respiram”, disse-nos o Orlando adivinhando um possível pressuposto da frase da Helena, de que “apenas os humanos respiram.” Este pressuposto foi imediatamente rejeitado pela Helena, pelo que abandonámos a crítica do Orlando.
O Bernardo descobriu um conceito pouco preciso na frase da Helena. “O termo correcto é ventilar, por isso não é verdade que respiramos.” E, por fim, o João avançou esta bem original crítica à “verdade absoluta”da Helena: “Debaixo de água estamos vivos (ao contrário da Lília o João não considerava os mortos seres humanos) e não respiramos. Por isso os humanos nem sempre respiram.”
Como já escrevi noutro post este exercício é, não só, uma boa forma de acicatar o espírito crítico e criativo dos alunos fazendo-os problematizar e aprofundar os vários significados de diversos conceitos (a única forma de conhecermos o alcance dos conceitos que usamos), mas também de os fazer ver que ligados a esses diferentes significados encontram-se os diferentes pressupostos das diversas asserções e argumentos com que nos confrontamos. Depende dos pressupostos que encontrarmos (“aquilo que eu queria mesmo dizer”, como por vezes os alunos referem) a avaliação final de cada uma das verdades absolutas avançadas.
Depois de um breve intervalo retomámos o trabalho de criticar as diversas verdades dos nossos colegas. Aqui elevámos o grau de dificuldade do exercício e pedimos aos alunos que elegessem aquela frase que considerassem mais difícil de ser refutada.
A honra recaiu sobre a frase do Baptista:
“Existe matéria no universo.”
Todos reconhecemos a dificuldade desta tarefa (criticar esta frase parecia-nos a todos verdadeiramente impensável) mas esta dificuldade não nos impediu de tentar. Lançámo-nos então a tentar analisar e problematizar os diferentes conceitos utilizados: Existência, Matéria e Universo. Eram estas as “portas de entrada” para uma possível crítica à verdade do Baptista.
Começámos bem o nosso trabalho com um dos filósofos a gizar um excelente argumento para refutar a verdade do Baptista (o baptistismo).
“Tudo o que há é matéria. Logo não EXISTE matéria no universo, o universo É matéria.”
Este argumento surpreendeu-nos a todos pela sua originalidade e arrojo, mas o Baptista não se deixou ficar e contra-argumentou da seguinte forma.
“Nem tudo no universo é matéria, também há espaços vazios.”
Mas a originalidade destes Jovens Filósofos que procuravam pelas suas próprias cabeças refazer os passos de pensadores como Tales, Anaxímenes ou Anaximandro não se ficou por aqui. Para o Bernardo “no Universo não existe apenas matéria e espaço vazio, mas também emoções, ideias, sentimentos.” O Bernardo chamou a estes elementos “imatéria”. Outros alunos avançaram com outras formas de “imatéria” como a força da gravidade e a electricidade.
A partir desta ideia radical alguns alunos concluiram que na verdade tudo no universo é “imatéria” pois o elemento mais básicos da matéria é a electricidade, que “não se pode tocar, por isso é imaterial”.
Por esta altura concluimos que a turma se dividia em duas escolas filosóficas antagónicas: os Baptististas que defendiam o “materialismo” e os Bernardistas que defendiam o “imaterialismo”.
Seguiu-se um pequeno debate para sabermos se por “Universo” devemos considerar as “coisas tal como nos aparecem” (estrelas, cadeiras, pedras, etc.) ou as coisas tal como são realmente” (electricidade e espaço vazio). O grupo chegou à conclusão que se por “universo” entendermos a primeira opção seremos Baptististas, i.e., “materialistas”. Por outro lado se seguirmos a segunda opção seremos Bernardistas, ou seja, “imaterialistas”.
Nota Final
Não sei se um físico iria ficar muito satisfeito com as conclusões a que chegámos neste debate mas eu, enquanto filósofo, fiquei. Estes alunos durante uma manhã debateram-se com os mesmos problemas dos primeiros filósofos pré-socráticos e de muitos outros pensadores depois deles ("o que é o Universo?", "de que é feito?", "o que é a matéria?", "quais os seus componentes últimos?", etc.) e, a meu ver, estiveram à altura do desafio.
Grandes Filósofos estes Jovens Filósofos. Parabéns!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário