domingo, 1 de novembro de 2009

Jovens Filósofos na Universidade Júnior

Oficina Jovens Filósofos – Aula 9



Debate Filosófico: A minha mãe diz-me que não posso ser filósofa.


A partir de um comentário que a mãe de uma aluna lhe lançou em casa iniciou-se uma discussão em torno das questões da validade e da certeza das nossas opiniões, assim como do valor da filosofia.
Os resultados foram surpreendentes para miúdos que "não podem ser filósofos."


- A minha mãe diz-me que não posso ser filósofa porque não penso nas coisas e não tenho opiniões válidas.
Foi esta a afirmação da Maria João, 13 anos, no início da sessão e que serviu de mote à nossa discussão.
A pergunta sugerida à turma foi a seguinte:


- Devo acreditar na minha mãe quando ela me diz que não tenho opiniões válidas?

- Sim, porque mesmo que as nossas opiniões sejam certas não sabemos se estão certas porque somos crianças. Por isso não são válidas. (Tomás)

- Mas opiniões válidas são opiniões certas. (Hugo)

- Não, opiniões válidas são certas e com uma justificação. (Tomás)

- Pode haver opiniões certas e sem justificação, e mesmo assim são válidas. (Ricardo)

- Dá um exemplo. (Moderador)

- Se entrasse aqui um extraterrestre e dissesse que esta porta é uma porta mas não o soubesse justificar, a sua opinião estava certa sem estar justificada. Por isso era válida. (Ricardo)

- O que são opiniões válidas? (Moderador)

- São opiniões certas para as pessoa,s que podem depois mudar de ideias, como aconteceu com o modelo geocêntrico. Era válido pois eram certas para elas, mas depois mudaram de opinião. (Ricardo)

- Opiniões válidas são certas. (Hugo)

- Opiniões válidas são opiniões justificadas. Podem não estar certas. (Ricardo)


[Nesta altura tentei dirigir a reflexão em direcção à noção de verdade através da pergunta:
"Que nome se dá a uma opinião certa e justificada?"
O conceito de verdade permitiria articular os conceitos de certeza e validade através do conceito de opinião verdadeira. No entanto a turma preferiu avançar noutra direcção. Era uma turma de alunos com13 anos e para muitos, se não para todos, era a primeira vez que discutiam desta forma livre e civilizada. Uma verdadeira troca de ideias em que todos se ouviam e corrigiam mutuamente, sobre temas novos e interessantes. Acabei por deixá-los seguir a pista da ideia de validade enquanto "algo socialmente aceite". Esta pista acabou por se revelar bastante iluminadora para todos nós.]

- Uma opinião pode ser certa, como a do Galileu, e não ser válida pois ninguém a aceitava. (Afonso)

- As nossas opiniões são válidas se alguém as aceitar.

- A Filosofia procura opiniões válidas ou verdadeiras? (Moderador)

- Verdadeiras! (Todos em uníssono)

- Então não é por não termos opiniões válidas que não podemos ser filósofos. As nossas opiniões podem não ser válidas e, ainda assim, ser verdadeiras. (Pedro)

- Como aconteceu a Galileu. (Ana)

- E a Sócrates. (Tomás)

- Que pergunta fariam a quem vos dissesse que não têm opiniões válidas e por isso não podem ser filósofos? (Moderador)

- Será que essa tua opinião é válida? (Hugo)

- Então, o que é preciso para se ser filósofo? (Moderador)

- Cultura geral; sabedoria; fazer perguntas. (Todos)

- O que é preciso para se fazer perguntas? (Moderador)

- Necessidade; Curiosidade.

- Há mais necessidade na ciência ou na filosofia? (Moderador)

- Na ciência. Há, por exemplo, a necessidade de se encontrar a cura para o cancro. (Pedro)

- E na filosofia? (Moderador)

- Na filosofia há curiosidade. (Daniela)

- Então voltemos à nossa questão inicial: “vocês podem ser filósofos?” (Moderador)

- Sim, porque todos fazemos perguntas, temos interesse e curiosidade. (Pedro)

                                                                                                      - Fim da sessão

Nota final

E assim se passaram mais três horas de discussão. Três horas em que árduamente se tentou quebrar a resistência de uma aluna à filosofia – resistência que contagiou a turma no início da sessão – que surgiu de um comentário imbecil de uma mãe: “Não podes ser filósofa porque não tens opiniões válidas.”
Por uns momentos deixei de pensar na função pedagógica da filosofia e interroguei-me seriamente na função anti-pedagógica de alguns pais e nesta forma tão característica de educar os filhos pela negativa.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ola Tomás.

Concordo na generalidade contigo, no entanto creio que estás a ser demasiado duro com esta mãe. Não sendo pai reconheço que por vezes, no mar da vida, se têm afirmações menos próprias. Afirmações que para nós não tem mais significado do que um desabafo momentaneo e para quem as ouve representam todo um mundo que se desmorona. Isto é válido não só para pais em relação aos filhos como para tantas outras situações. Não defendendo a educação "pela negativa" e reconheço que nos está entranhada(portugueses/povos mediterrânicos) mas esta tem também algumas virtudes. Acho que este grupo discutiu o assunto com muito mais entusiasmo porque era algo que os afectava directamente. Acredito que muitos se reviam no comentário desta mãe.