segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

CAFÉ FILOSÓFICO SOBRE A FELICIDADE






No domingo passado, 26 de Dezembro de 2010, o Clube Literário do Porto recebeu-nos para o 56º Café Filosófico desta vez em torno da ideia de Felicidade.

Nesta sessão procurei que os participantes experimentassem passar pelas diversas etapas de uma investigação filosófica (Conceptualização, Problematização, Argumentação, Definição e Síntese) o que, julgo eu, contribuiu para uma melhor compreensão do conceito de Felicidade para todos os presentes.

Começámos por criar uma rede de conceitos de alguma forma relacionados com o conceito de Felicidade tendo o grupo proposto conceitos como Alegria, Profundidade, Superficialidade, Temporalidade, Contínuo, Liberdade, Projecto, Sentido da Existência, Qualidade/Quantidade, Meta, Espontaneidade, Consciência, Medo, etc. Esta viagem pelos conceitos próximos do conceito a estudar, um movimento cognitivo conhecido como Conceptualização, permitiu-nos "abrir" a ideia de felicidade a diversos pontos de vista sobre a Felicidade e conhecer diferentes usos e diferentes contextos desses conceitos. Uma lição wittgensteiniana, portanto.

Em seguida, e para continuar com os ensinamentos metodológicos de outros filósofos antes de nós, procurou-se cortar a "barba de Platão" com a "navalha de Ockham", imagens que correspondem às duas posições metafísicas com as quais nos podemos comprometer segundo Quine. A primeira leva-nos a uma multiplicação de conceitos e entidades (comos as Ideias na Teoria Platónica) e a segunda a uma maior exigência na escolha das entidades que ocupam o nosso espectro metafísico (o Princípio da Parcimónia, ou seja, uma espécie de minimalismo metafísico que Okham nos aconselha a seguir).

Por outras palavras (menos metafóricas, espero) tinhamos que escolher uma via de investigação e precisávamos de uma pergunta que nos indicasse essa via. Entrávamos aqui num segundo momento da nossa investigação, o momento da Problematização e o desafio lançado aos filósofos presentes no Clube Literário foi de que formulassem uma pergunta que juntasse um ou mais dos conceitos da rede conceptual encontrada. Surgiram facilmente várias perguntas que rapidamente encheram o quadro branco que utilizo nestas sessões para registar o fio da discussão. O desafio seguinte foi então seleccionar quatro perguntas que fossem ao mesmo tempo claras e originais eliminanamdo-se para isso as perguntas mais confusas (ambíguas ou vagas) e aquelas que se repetiam. Para isso voltámos a recorrer à capacidade de conceptualização dos participantes (uma capacidade que nos afasta dos animais, defendem alguns), desta vez no sentido contrário da "abertura numa rede conceptual" com que iniciámos a sessão.
Procurou-se captar/fechar" a idea central de cada pergunta num conceito-chave que a sintetizasse (momento da síntese).
Nestas sessões de prática filosófica (seja com adultos seja com crianças) procuro sempre utilizar a síntese quando quero chamar a atenção do grupo para uma possível comparação (ou contraste) de duas posições que considero semelhentes ou antagónicas. A síntese é um instrumento cognitivo muito eficaz que nos permite detectar com facilidade e clareza as diferenças ou semelhanças entre diferentes proposições ou perguntas.
A síntese é também uma forma de aprofundarmos um pouco mais a nossa compreensão da problemática em volta do conceito que estudamos uma vez que ao sintetizar é comum utilizarmos um conceito que nos permite englobar, clarificar ou superar outros conceitos presentes no argumento ou pergunta inicial. Sintetizar é muitas vezes uma forma de ver as coisas de outra forma, digamos assim (devemos a filósofos como Hegel não esta capacidade humana de sintetizar mas o ter-nos chamado a atenção para ela).

O resultado desta operação conjunta entre as nossas capacidades problematizadora e sintetizadora materializou-se nas seguintes perguntas:

1 - É possível não procurar a felicidade? (Possibilidade)

2 - Qual a essência da felicidade? (Essência)

3 - A felicidade existe? (Existência)

4 - O que nos faz felizes? (Critérios)*

O grupo escolheu a última pergunta como alvo da nossa investigação para o resto da sessão e entrámos sem perder tempo noutro momento da investigação: a Argumentação.

Foram avançadas algumas hipóteses que foram por sua vez postas em confronto com refutações, contra-argumento, pedidos de clarificação e de definição avançadas por diversos elementos do grupo (todos particularmente activos, diga-se de passagem). No entanto, aquela que gerou mais polémica foi a de um participante habitual destas sessões no Clube Literário:

O que nos faz felizes é não pensar na felicidade nem procurar a felicidade. (Jorge)


Como invariavelmente acontece são as intervenções mais interessantes que suscitam mais críticas, exactamente porque tocam sempre em "pontos filosoficamente sensíveis", ou seja em concepções basilares de determinados conceitos que nem todos subscrevemos. A opinião do Jorge não terá sido imediatamente compreendida por todos os presentes - até porque esta surgiu sem uma justificação - mas a ideia de que a felicidade não deve ser procurada vai de encontro a uma tradição filosófica oriental (com alguns revivalismos new age) que nos diz que a própria procura da Felicidade cria no sujeito uma série de insatisfações que aniquilam à partida o próprio projecto de encontrar a Felicidade.

Como balanço final deixo aqui transcrito um comentário de uma das participantes (a Céu) para quem  nesta tarde em três horas de discussão percorremos um pouco do legado intelectual de 2500 anos de filosofia. Foi talvez por isso que ninguém queria sair do Clube Literário do Porto no fim do Café Filosófico e alguns de nós ainda lá continuamos mais uma horita a "limar" alguns conceitos e argumentos.

Abraços e Feliz 2011 para todos!


* nota: Como referi na sessão tenho verificado ao longo destes muitos Cafés Filosóficos e sessões de filsoofia que tenho vindo a moderar tanto com crianças como com adultos que este movimento de procura de um conceito que faça a síntese uma ideia ou problema quase invariavelmente nos leva a conceitos basilares da história da filosofia, presentes por exemplo nas propostas ontológicas (a Ontologia é o estudo daquilo que há) de Grandes Filósofos como Aristóteles nas Categorias ou Kant na Crítica da Razão Pura.
Se ainda duvida percorra as listas de categorias ontológicas propostas por estes dois filósofos aqui e compare-as com a pequena lista de conceitos fundamentais que atingimos nesta sessão, sobretudo os três primeiros: Essência, Existência, Possibilidade).
 A conclusão que tiro daqui é que todos temos em nós um Grande Filósofo em potência e que apenas precisa de ser "convidado" a sair cá para fora. Nada que Sócrates não nos tenha já dito, é claro.


Fotografias de José Rui M. Correia

2 comentários:

Sérgio Nunes disse...

Gostaria de participar num destes encontros. Onde posso encontrar o calendário com as próximas actividades planeadas?

Obrigado.

Tomás Magalhães Carneiro disse...

olá Sérgio,
tem uma agenda dos próximos eventos aqui:http://filosofiacritica.wordpress.com/0-qual-o-proximo-evento/

Os Cafés Filosóficos realizam-se com regularidade às terceiras 5ª feiras de cada mês às 21h na Casa Barbot em Gaia e nos últimos domingos de cada mês às 17h30 no Clube Literário do Porto.

cumprimentos,

Tomás Magalhães Carneiro