segunda-feira, 24 de maio de 2010
FILOSOFIA PRÁTICA E PENSAMENTO CRÍTICO
2ª Acção de Formação para Professores - FLUP
Título
Debate Filosófico: Análise e Avaliação Crítica de Argumentos
Pergunta da Sessão
A suma bondade é compatível com a punição da maldade?
Sínopse
Nesta sessão procurámos inserir num Debate Filosófico em contexto de sala de aula todos os passos de uma verdadeira investigação filosófica. Começámos com a formulação de uma pergunta filosófica, procurámos responder argumentativamente a essa pergunta, críticar e problematizar os argumentos que surgiam e, por fim, dar oportunidade ao autor desse argumento de se defender contra-argumentando e respondendo às críticas e perguntas ao seu argumento.
Metodologia
Na análise e avaliação dos argumentos que tínhamos pela frente (avançados pelas 8 participantes da sessão) servimo-nos de algumas técnicas básicas de Pensamento Crítico que tenho procurado incorporar nas minhas sessões de Filosofia Prática:
Análise Primária: clarificar da resposta; verificar a sua pertinência; verificar se é um argumento.
Análise Intermédia: identificar os elementos essenciais do argumento.
Avaliação: Problematizar, Refutar e Contra-Argumentar.
Resumo da Sessão
Quisemos fomentar a capacidade de problematização dos participantes e para isso lançámos o seguinte desafio ao grupo: Que pergunta farias a Deus?
Depois de eliminarmos algumas perguntas que o grupo considerou não serem perguntas filosóficas (Existe vida noutros planetas,por ex.) o grupo decidiu ficar com duas perguntas a fazer ao Criador:
1) A morte é o fim da existência?
e
2) A suma bondade é compatível com a punição da maldade?
Destas duas decidimos aprofundar filosoficamente a segunda pergunta. As respostas que passaram o crivo da Análise Primária (ou seja, são respostas claras, pertinentes e são argumentos) foram as seguintes:
1) Não é compatível pois a punição e a maldade são conceitos negativos o que contradiz o conceito positivo de suma bondade. (Paula R.)
Para sintetizarmos a posição da Paula acerca desta questão foi escolhido o conceito Contraditivismo Conceptual.
2) Não é compatível porque a suma bondade implica ser capaz de perdoar a maldade dos outros.
O grupo classificou esta posição filosófica de Perdonismo.
3) Sim, é compatível pois a suma bondade implica a resposta à ânsia de justiça das vítimas e a correcção do mal. (Margarida)
A posição filosófica da Margarida foi apelidada de Correctivismo
4) Não é compatível pois se a suma bondade é perdão absoluto então a punição da maldade é inaceitável.
Perdonismo Condicional foi o conceito escolhido pelo grupo para definir esta posição que se afasta do Perdonismo puro do argumento 2) ao fazer depender a incompatibilidade entre "suma bondade" e "punição" de uma condição (se...então...).
Escolhemos aprofundar o primeiro argumento procurando identificar os seus elementos essenciais (Análise Intermédia), ou seja, a sua conclusão, as suas razões/premissas, a estrutura do argumento, o(s) seus pressuposto(s)...
Para alguns elementos do grupo a conclusão do argumento depende do seguinte pressuposto:
A contradição entre conceitos implica necessariamente a sua incompatibilidade.
Seguiu-se o 3º momento deste debate filosofico, o da Avaliação.
Foi pedido a todas as participantes que pusessem à prova este argumento de uma das seguintes formas:
I) problematizando-o (levantando um problema ao argumento através de uma pergunta)
ou
II) refutando-o (critica a um dos elementos do argumento através de outro argumento).
Estrutura do Debate
0) Pergunta: A suma bondade é compatível com a punição da maldade?
1) Argumento 1: Não é compatível pois a punição e a maldade são conceitos negativos o que contradiz o conceito positivo de suma bondade. (Paula R.)
1.1) Problematização: Por que é que a punição é um conceito negativo? (Andreia)
1.2) Refutação (do pressuposto): A omnipotência de Deus comporta a contradição de conceitos. (Paula)
1.2.1) Contra-argumento (à refutação): Nesse caso Deus é ao mesmo tempo a suma bondade e a suma maldade, o que é inaceitável pois quebra o Princípio da Identidade (Lei da Lógica).
1.2.2) Refutação do contra-argumento: A identidade de Deus não é posta em causa porque, por definição, Deus pode ser identativamente contraditório. (Paula R.)
Nota:
Neste ponto chegamos a uma espécie de "beco sem saída argumentativo" uma vez que a autora do primeiro argumento parece ter "engolido a bala" (ver Glossário), ou seja, aceitou as consequências aparentemente inaceitáveis que alguns colegas apontaram ao seu argumento. No entanto, para isso, tem de aceitar que uma das leis mais fundamentais da lógica (e da racionalidade) pode ser quebrada, pelo menos no caso de Deus.
Avançamos para o segundo argumento.
2) Argumento 2: Não é compatível pois se a suma bondade é perdão absoluto então a punição é inaceitável. (Alice)
O grupo identificou e criticou dois pressupostos. O primeiro [Press. 1] permite a inferência da Primeira Razão (a suma bondade é perdão absoluto) para a Conclusão Intermédia do argumento (a punição é inaceitável). O segundo [Press. 2] permite a inferência desta Conclusão Intermédia para a Conclusão Principal do argumento (A suma bondade não é compatível com a punição da maldade).
[Press. 1] - O perdão absoluto exclui a punição.
[Press. 2] - O que é inaceitável é incompatível.
2.1) Refutação do Pressuposto 1 - O perdão absoluto não exclui a punição pois o acto de
perdoar não é incompatível com o de punir. (Luísa)
2.1.1) Problematização do autor - Por que é que o acto de perdoar não é incompatível com o de
punir? (Alice)
2.1.2) Argumento (exemplo) - Porque podemos perdoar e punir ao mesmo tempo, como um pai que
ao punir continua a amar o seu filho. (Luisa)
2.1.3) Contra-Argumento - No acto de punir o pai não ama o filho. Há como que uma suspensão
temporal desse amor. (Alice)
Nota:
A autora do argumento dois não ficou convencido com a crítica ao primeiro pressuposto do seu argumento. No entanto ficaram explícitas as consequências desse pressuposto. A Alice tem de aceitar que um pai ao punir o seu filho não o ama.
Deixando esta questão em aberto partimos então para a crítica do Pressuposto 2.
2.2) Refutação do Pressuposto 2 - O que é inaceitável não é necessariamente incompatível. Por exemplo, no campo da moral é inaceitável a pena de morte mas esta poderá ser compatível com a procura de justiça. (Margarida)
Nota:
A autora do Argumento 2 aceitou esta refutação do seu pressuposto o que faz com que não se possa
inferir a conclusão do seu argumento.
Avançámos para o terceiro argumento, o único que defendia a compatibilidade entre a suma bondade e a
punição da maldade.
3) Sim, é compatível pois a suma bondade implica a resposta à ânsia de justiça das vítimas e a correcção do mal. (Margarida)
Análise Intermédia do Argumento 3
Conclusão: Sim, há compatibilidade entre a suma bondade e a punição do mal.
Razão 1 - ...a suma bondade implica a resposta à ânsia de justiça das vítimas.
Razão 2 - ...a suma bondade implica a correcção do mal.
O grupo encontrou um pressuposto a apoiar inferência de cada uma destas Razões para a Conclusão Principal do argumento da Margarida.
[Press 1] - Só existe justiça quando há punição da maldade.
[Press 2] - Só existe correcção do mal quando há punição da maldade.
Nota:
Por falta de tempo apenas analisámos o argumento da Margarida identificando as suas razões (premissas) assim como os seus pressupostos. A avaliação do argumento (das razões, dos pressupostos, do raciocínio, etc.) fica agora a cargo de cada um.
Nota Final:
Com estes exercícios de Debate Filosófico e Diálogo Socrático praticados ao longo de 9 sessões (27 horas) pretendeu-se demonstrar e praticar os diversos passos de uma investigação filosófica séria:
Conceptualização, Problematização, Definição, Argumentação, Análise, Avaliação e Síntese.
Obrigado a todas as participantes desta 2ª Acção de Formação,
Tomás Magalhães Carneiro
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