sexta-feira, 3 de julho de 2009

Jovens Filósofos na Universidade Júnior


Oficina Jovens Filósofos
29 de Junho a 24 de Julho
Universidade do Porto / Universidade Júnior

Aula 4: "Falar com um preso sobre liberdade." (ver nota final)

Exercício: Problematizar conceitos
Estrutura do exercício
1) Fazer sair os conceitos e analisá-los brevemente
2) Listar os vários conceitos encontrados
3) Problematizar e aprofundar os conceitos
4) Debate


1) Fazer sair os conceitos e analisá-los brevemente
Breve apresentação dos alunos. A partir de uma característica pessoal revelada (ex. "ingenuidade") cada aluno foi confrontado com o que pode haver de mau nessa característica (ex. “Um ingénuo poder ser facilmente enganado”). Depois procurámos reconciliá-lo com essa característica reconhecendo o que pode haver de bom nela (ex. “Um ingénuo vê mais vezes o lado bom das coisas).

Muito Importante: Este exercício tem de ser efectuado com muito tacto para não deixarmos que o aluno se sinta "encurralado" entra a sua característica e os juízos de valor da turma e do professor. Deve-se deixar que seja ele a pensar por si no bom e no mau das suas características. É comum sentir-se alguma solidariedade dos colegas principalmente quando se pergunta pelas boas características.

2) Listar os vários conceitos encontrados
i) ingenuidade;
ii) individualismo;
iii) liberdade;
iv) protecção;
v) preguiça.

3) Problematizar e aprofundar os conceitos
A partir destes conceitos, e da curta conversa que permitiu aprofundá-los (“o que há de bom e o que há de mau”), os alunos (todos os alunos) colocam uma pergunta que os problematize filosoficamente (“esquecendo o particular e pensando nos conceitos na sua generalidade”).
O aluno cujas características levaram ao conceito em causa escolhe a pergunta que ver discutida.
Desta forma reequilibra-se o poder na turma. O aluno que esteve a ser observado/avaliado passa agora a observador/avaliador de toda a turma.Além disso, ao ter de prestar atenção a todas as perguntas, para escolher uma, exige-se dele uma participação e um comprometimento muito maior que dos restantes colegas.**

i)
Conceito: ingenuidade
Pergunta escolhida: “Por que é que somos ingénuos?” (André)

ii)
Conceito: individualismo
Pergunta Escolhida: O individualismo pode afastar as pessoas?” (Margarida)

iii)
Conceito: liberdade
Pergunta Escolhida: “Para haver liberdade tem de haver independência?” (Tânia)

iv)
Conceito: protecção
Pergunta Escolhida: “Ser protector pode magoar o protegido?”

v)
Conceito: preguiça
Pergunta Escolhida: “A preguiça só tem aspectos negativos?”


4) Debate
Foi escolhida, por votação, a questão acerca da preguiça para se dar inicio ao debate, que nos primeiros 20 minutos contou com a presença do Reitor da Universidade do Porto, o Professor Doutor José Marques dos Santos, em visita à nossa actividade. - A visita do Reitor (vídeo)

Foi precisamente o nosso Reitor quem levou a questão da preguiça para a questão da liberdade:

A preguiça de uns pode colidir com a liberdade dos outros.” (José, 62 anos)

A partir daqui fomos rápidamente conduzidos aos conceitos de Liberdade e Independência da terceira pergunta.

Ao sermos preguiçosos estamos a exercer a nossa liberdade, por isso é que tanta gente da nossa idade é preguiçosa. Porque quer ser livre.” (Francisca, 13 anos)

A partir desta resposta o Sr. Reitor levantou a questão de sabermos se
“a sociedade deve pagar pela preguiça dos outros?”
Não podia ter havido melhor provocação para estas mentes inquietas. Alheios à turba de máquinas fotográficas e altas individualidades que enchiam agora a sala (além do Reitor, professores universitários e dirigentes da Universidade Júnior), os dedos no ar a pedir a palavra sucediam-se uns atrás dos outros denotando uma ânsia de falar comum a quem tem uma ideia “quentinha” pronta a ser revelada ao mundo.

Apesar de a hipótese com que agora se defrontavam ter vindo de cima (do lugar hierárquico mais elevado da Universidade), os Jovens Filósofos demonstraram não se intimidar com argumentos de autoridade. Já tinham conquistado o seu espaço de liberdade e agora queriam ocupá-lo de direito próprio.

Percebendo uma clara posição do Sr. Reitor por trás de questão colocada o Pedro, de 12 anos foi o primeiro a dizer o que pensava:

“Então os outros são um limite à nossa liberdade.” (Pedro)

Mas sem os outros, sozinhos numa ilha, também não seríamos livres. Não teríamos tudo aquilo que agora temos por causa dos outros.” (Joana, 13 anos)

“Não há ninguém totalmente livre. Somos sempre dependentes dos outros.” (André, 13 anos)

Pergunta – “Liberdade e independência estão então interligados?”

Não. Podemos ser livres sem ser independentes. Podemos ser dependentes politicamente ou socialmente, e livres mentalmente."
Pergunta – “Que diferentes tipos de liberdade existem?”

“Liberdade física, liberdade social, liberdade mental…” (Joana)

“Mas a mental é mais importante.” (Francisca)

Ainda antes de esgotarmos a análise dos novos conceitos que entretanto surgiram e que nos ajudavam a clarificar o conceito de liberdade, o Reitor levantou mais uma questão que nos levou por outras linhas de investigação. Era agora bem claro para todos os presentes que este era o sítio ideal para se colocarem as mais inquietantes dúvidas filosófica.

Alguém que rouba por doença (um cleptomaníaco), deve ser acusado de crime? Deve ser tratado como um criminoso?” (José)

Não. Se for uma doença deve ser tratado.” (Pedro)

“Mas como é que podemos saber se uma pessoa é doente?” (Francisca)

[aproveitando a deixa do Reitor quis voltar à questão inicial da preguiça]
Pergunta - “Alguém que é preguiçoso mas não consegue deixar de o ser, pode ser criticado?”

Quem já conseguiu deixar de ser preguiçoso pode criticar o preguiçoso.” (Adriano, 12 anos)

Pergunta – “Então quem consegue correr os 100 metros em 10 segundos pode criticar quem não consegue?”
Não pode criticar quem não consegue, mas pode criticar quem nem sequer tenta.”

Todos nós somos livres para tentar, o que não quer dizer que se consiga sempre.” (Jéssica)

Pergunta – “Acham que já são capazes de dizer o que é ser livre?”

“Ser livre é poder fazer aquilo que queremos.”
(Carolina)

“Não concordo com a Carolina. Eu posso querer ir à lua e vir em dois segundos e não consigo. Mas não é por isso que deixo de ser livre.” (Joana)

Pergunta – “Como é que podemos melhorar a definição da Carolina?”

Não temos que poder fazer tudo o quer queremos para sermos livres. Isso é impossível.” (André)

Ser livre é poder fazer tudo aquilo que queremos, e que é possível fazer.” (Francisca) ***

“Se calhar é impossível ser livre.” (Jéssica)


Apesar das definições de liberdade a que chegamos nesta sessão serem bastante satisfatórias, não há como sentir a liberdade na pele para compreender o que é a liberdade.
A prática da filosofia revelou-se hoje, sem dúvida alguma, um passo essencial na conquista dessa liberdade (pelo menos em alguns sentidos da palavra liberdade).

Foi com imensa satisfação que vi o Reitor da Universidade do Porto a descer do seu palanque (mais imaginário que real, leia-se) e a debater humildemente ideias com os Jovens Filósofos, todos eles com idade para serem seus netos. Mas foi cheio de orgulho que vi os Jovens Filósofos da Universidade Júnior a elevarem-se à altura dos Grande Filósofos e a trocarem ideias com o nosso Reitor.

A sessão terminou com uma troca de ideias sobre quem seria interessante convidar para um debate sobre a liberdade.

“Seria interesante ouvir pessoas de outras culturas.” (Jéssica)

Sim, especialmente pessoas de países onde não houvesse liberdade.” (Francisca)

“Gostava de convidar o Saddam, o Hitler e o Salazar.” (André)***

Também gostava de ouvir a Madre Teresa de Calcutá. Saber até que ponto ela, ao ajudar os outros, não perdeu muita da sua liberdade.” (Francisca)

“Também seria interessante convidar uma pessoa que estivesse presa.” (Mariana)

Nota Final: Passado cerca de um ano e meio deste desafio lançado pela Mariana levei esta pergunta aos reclusos de Paços de Ferreira: "Somos Livres?"


* Para muitos é de facto a primeira vez que lhes é pedido para ouvir atentamente mais de uma dezena de opiniões diferentes, e o esforço que isso requer é notório para qualquer observador atento. Desta forma, além de se trabalhar a concentração dos alunos, transmite-se também a exigência e dificuldade da empreitada filosófica.

** É encontrado o conceito de possibilidade que nos ajudará a compreender melhor o conceito de liberdade.


***  Cinco destes alunos eram, curiosamente, de Santa Comba Dão.

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