segunda-feira, 27 de abril de 2009

10º Café Filosófico Clube Literário do Porto




Diálogo Socrático -

O que é o Equilíbrio?

No Café Filosófico de ontem (26 de Abril) procurei introduzir um método de discussão diferente dos que costumamos seguir neste encontros – o Diálogo Socrático.

Num Café Filosófico comum discutem-se sobretudo temas (a partir de um texto, de uma música, um excerto de um filme, um quadro, etc.) e a palavra é dada aos participantes para estes desenvolverem livremente as suas ideias sobre o tema e, dessa forma, verem as suas ideias postas em confronto e serem desafiadas pelas ideias dos outros participantes. É um método aberto no sentido em que raramente se chega a uma definição concreta, ou a uma conclusão consensual sobre o tema em discussão e ps participantes têm total liberadade para aprofundarem o tema na direcção que muito bem entenderem.
Talvez devido a isso, normalmente saimos de um Café Filosófico com uma certa sensação de incompletude que é, julgo eu, um dos motivos pelo qual tanta gente volta sempre aos Cafés Filosóficos. No fim de uma sessão de Café Filosófico sentimos um misto se satisfação pela possibilidade que tivemos de trocar ideias de forma agradável e, ao mesmo tempo, de insatisfação pelas dúvidas e certezas abaladas que este género de discussão costuma provocar em nós.

O método que experimentámos ontem é um pouco diferente. O Diálogo Socrático foi esboçado por Leonard Nelson no início do século XX e popularizado por Lou Marinoff no seu livro “Mais Platão e Menos Prozac” (sugestão do nosso amigo José Artur).
Num Diálogo Socrático discutem-se conceitos, sendo que o seu objectivo principal é encontrar, por consenso, uma definição para um determinado conceito filosófico


Chama-se “socrático” a este método pois parte do pressuposto que todos temos de alguma forma em nós de forma implícita o conhecimento de conceitos como “a justiça”, “o amor”, “a amizade”, etc. E este é também o pressuposto da teoria do conhecimento Socrático/Platónica (Platão defendia que a alma contemplou o mundo das Ideias antes de “entrar” no nosso corpo e que conhecer não era mais que lembrar o que a nossa alma outrora contemplou).



Segundo Nelson todos temos em nós esse conhecimento implícito. Possivelmente não através de uma contemplação da alma, mas através da experiência pessoal de cada um. A título de exemplo, se nos pedissem para definirmos “justiça” todos teríamos alguma dificuldade em fazê-lo, no entanto se nos pedissem para indicarmos algumas situações justas e outras injustas poucos de nós hesitariam.

O que se procura fazer num Diálogo Socrático é, exactamente, tornar explícito esse conhecimento implícito que cada um de nós possui, e fazê-lo a partir da experiência pessoal de cada um dos participantes, usando-a “como base para encontrar uma definição universal, explícita e exacta” do conceito em discussão.

Para esta discussão o grupo decidiu procurar definir um valor que alguns afirmaram ser determinante nas suas vidas: o equilíbrio. Assim a tarefa a que nos propusemos nas duas horas e meia seguintes foi tentar definir "o que é o equilíbrio?”.

O que é o equilíbrio?*

Partimos de um exemplo pessoal sugerido por um dos participante, o Ricardo, de um castigo “injusto” aplicado pela sua mãe enquanto novo e que depois foi de alguma forma compensado pela descoberta de que esse castigo foi bem intencionado. Encontrámos o equilíbrio nesse último passo do episódio relatado, ou seja, no momento em que o Ricardo percebeu que a injustiça cometida pela sua mãe estava, de alguma forma, justificada pelos bons motivos que levaram até ela.
Depois de encontrar o ponto concreto em que se deu o “equilíbrio” é chegada a altura de o procurar definir.Num primeiro passo, as definições de “equilíbrio” teriam de se referir ao exemplo particular relatado pelo Ricardo.
A primeira definição sugerida pela Maggie,


“Equilibrio é a racionalização de algo”,
mostrou uma característica, a nosso ver, necessária à definição de equilíbrio (consciência) que não mais seria largada pelo grupo. No entanto a consciência não é uma condição suficiente de um estado de equilíbrio – nem todos os estados de consciência são estado de equilíbrio. É necessário algo mais e foi esse algo mais que continuámos a procurar.

Não demorou muito até que o próprio Ricardo avançasse com a primeira definição da tarde que o grupo procurou aprofundar.


“Equilíbrio é um estado utópico (no sentido de ideal) em que há uma interacção de causas e reacções, e a consciencialização das mesmas no espaço e tempo global e individual.”

Outro participante, o Tiago, avançou com a proposta de que o equílibrio é uma


“crença humana, baseada numa ideologia acerca do funcionamento do universo...”
Discutimos esta ideia que abriu portas para uma definição de equilíbrio relativa ao sujeito, mas seguímos sobretudo a segunda parte da sua definição, que estava de acordo com o que os outros participantes pensavam.


“…segundo a qual há uma integração harmónica de todos os episódios aí ocorridos na sua totalidade.”

A Raquel adiantou algo a esta ideia de integração harmónica e sugeriu que


“o equilíbrio é a solução mais vantajosa entre várias hipóteses geralmente antagónicas”, ao que o Artur completou com a ideia de que


"o equilíbrio é um estado de conciliação."

Eu próprio sugeri que se juntasse às ideias de “integração harmónica”, de “solução mais vantajosa” e de “estado de conciliação” (juntamente com a ideia de um ideal regulador apontada pelo Ricardo no início) o conceito de “síntese”. A sugestão foi aceite pelo grupo e nessa altura estávamos prontos para uma primeira tentativa de encontrar por consenso uma definição de equílibrio:

“Equilíbrio é um estado consciente de regulação interna em que se opera uma síntese entre hipóteses geralmente antagónicas no sentido de um bem-estar individual.”

Julgo que é uma definição inicial bastante satisfatória. É importante sublinhar que esta definição, apesar de se querer universal, tinha por “objecto orientador” o episódio concreto relatado por um dos participantes no início da sessão. Apesar disso parece-me ser uma definição bastante sólida e capaz de enquadrar muitas outras situações concretas de “equilíbrio” – exactamente aquilo que se procura numa definição de um conceito.

Discussões subsequentes procurariam confrontar esta definição universal com outros exemplos particulares e, se fosse caso disso, aperfeiçoaríamos a definição até encontrar uma que fosse “à prova de fogo.”

Então aqui fica a nossa primeira contribuição para um futuro Dicionário Socrático Um Café.

Equilíbrio – estado consciente de regulação interna em que se opera uma síntese entre hipóteses geralmente antagónicas no sentido de um bem-estar individual.


nota: Por curiosidade procurei algumas referências ao conceito de equilíbrio e encontrei esta ligada ao taoismo:


“O Tao é o Uno. Do Uno vem o yin e o yang: deste dois vem a energia criadora. Toda a vida encorpora o yin e abraça o yang e através da sua união alcança a harmonia.” (Tao Te Ching)

A nossa definição não tem o sabor de uma linguagem milenar mas tem a vantagem de não se perder em conceitos igualmente dificeis de definir como “energia criadora”, e “harmonia”.



* É util indicar que nos referimos à noção de equilíbio enquanto referente a todas as formas de equilíbrio pessoal. Deixámos de fora, por razões óbvias, as concepções de equilíbrio das ciências naturais, que têm os seus locais próprios de definição.

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