Temas
1ª Sessão "Verdade e Conhecimento" (aprox. 1h30);
2ª Sessão "Os limites da arte" (aprox. 1h30)
[neste post falarei apenas da 1ª sessão]
1ª Sessão - Verdade e Conhecimento
Introdução
As questões acerca da Verdade são transversais a inúmeros temas filosóficos.
Nos debates epistemológicos é importante apurarmos o nosso conceito de verdade se queremos saber se a verdade é o objectivo da ciência, em filosofia da linguagem queremos saber se é a verdade que dá sentido às nossas frases, em ética o debate desenrola-se em torno de saber se os juízos morais podem ser verdadeiros ou falsos (ou se são apenas meras expressões de sentimentos) e em metafísica o conceito de verdade é central no debate entre realistas e anti-realistas.
Neste 4º café filosófico foram aflorados todos estes temas. Importa agora, talvez noutro contexto mais exigente (como Oficinas de Filosofia) ou até individualmente, aprofundar um pouco mais o que foi discutido. É nesse sentido que ao longo deste texto indicarei algumas pistas (links) que os leitores poderão seguir e continuar por si as investigações que a discussão desta tarde suscitou.
O debate
Começámos este 4º Café filosófico com a provocadora pergunta "É possível educarmo-nos para a verdade". E as conclusões do primeiro participante indicavam que sim, que é preciso prepararmo-nos para a verdade mas, paradoxalmente, sabendo que essa verdade é "em si mesma" inalcançável.
Por outro lado, alguns dos participantes defenderam que a verdade é algo subjectivo, outros ainda que a verdade é uma construção cultural, social e, até mesmo, individual. Uma participante avançou também uma analogia interessante que realçava a verdade enquanto algo que está sempre preso a um quadro referencial.
NOTA: O que é de realçar em todas estas intervenções é, acima de tudo, o facto de serem tentativas de cada interveniente pensar por si próprio, independentemente do que já foi dito sobre o assunto por Grandes Filósofos. É desta atitude de desafio e de risco que nasce o enorme prazer que se tira de um bom Café Filosófico.
Todas estas posições participam de um certo Idealismo, uma vez que colocam o sujeito e a sua subjectividade no centro da questão da verdade.
Esta posição foi prontamente confrontada com a defesa da existência de uma verdade universal e fora de nós, ou seja, independente do conhecimento que possamos ter dela.
Aqui claramente deu-se a descolagem entre o tratamento epistemológico da questão da verdade e o seu tratamento metafísico, ou seja uma coisa é procurarmos saber se aquilo em que acreditamos é verdade ou falsidade, outra é procurarmos saber o que é a Verdade e a Falsidade. Este ponto devia ter sido um pouco mais esmiuçado, mas a dinâmica do Café Filosófico levou-nos por outros caminhos (uma questão importante aqui é a de saber quão "dirigista" deve ser o moderador - eu próprio, neste caso - e se nalgumas vezes sinto necessidade de levar a discussão a um certo ponto, noutras sinto que se deve dar livre curso às ideias dos participantes por forma a sermos surpreendidos.
Neste ponto as posições dividiram-se entre os que defendiam que não podemos falar de uma verdade pois ela não existe em absoluto, e aqueles que defendem que existe uma verdade, mesmo que dela não possamos falar.
Por esta altura alguém sugeriu que a verdade "não há verdades absolutas", a ser verdade também não pode ser uma verdade absoluta. Ou seja, num determinado contexto, ou para uma determinada pessoa, pode ser falsa e, nesse contexto e para essa pessoa há uma verdade absoluta. Esta interessante provocação foi, no entanto, ignorada pelo grupo.
Levantaram-se algumas outras questões muito interessantes relacionadas com o conceito de verdade que também elas podiam ter sido mais aprofundadas, como a de saber se a verdade de uma frase (ou, já agora, de uma proposição) consiste na sua adequação aos factos. Se assim fosse, haveria também que tentar descobrir "o que é um facto" como foi perguntado por um já assíduo participante (uma relação entre duas coisas é um facto?; uma negação de algo é um facto?; etc). Além disso esta teoria (Teoria da Correspondência) elimina a hipótese de atribuirmos verdade aos juízos morais (a não ser que a nossa metafísica seja aumentada para incluir factos morais).
Levantaram-se algumas outras questões muito interessantes relacionadas com o conceito de verdade que também elas podiam ter sido mais aprofundadas, como a de saber se a verdade de uma frase (ou, já agora, de uma proposição) consiste na sua adequação aos factos. Se assim fosse, haveria também que tentar descobrir "o que é um facto" como foi perguntado por um já assíduo participante (uma relação entre duas coisas é um facto?; uma negação de algo é um facto?; etc). Além disso esta teoria (Teoria da Correspondência) elimina a hipótese de atribuirmos verdade aos juízos morais (a não ser que a nossa metafísica seja aumentada para incluir factos morais).
Como síntese desta 1ª sessão pediu-se a dois participantes duas definições (opostas) de verdade que, a meu ver, reflectiram muito bem o debate:
1ª definição: "A Verdade é provável"
2ª definição: "A Verdade é universal"
Após um breve intervalo onde se bebeu um agradável cálice de Porto Ramos Pinto (um dos patrocinadores da revista Um Café e dos Eventos Um Café) voltámos com "redobrada energia" à nossa discussão.
Na 2ª sessão falámos sobre Arte (ver 3º Café Filosófico na Cadeira de Van Gogh onde foi tratado o mesmo tema) e algumas das questões da 1ª sessão ecoaram nas discussões que se seguiram.
Que critério para a Arte?; Haverá alguma verdade nos nossos juízos estéticos? A Arte expõe a verdade?, foram algumas das questões debatidas.
Conclusão
Julgo que alguns dos objectivos deste Café Filosófico foram atingidos, nomeadamente o de perseguir e trazer ao de cima as consequências teóricas dos diversos argumentos que iam surgindo em torno da questão da verdade.
É de salientar que isso foi conseguido não por um público académico ligado à filosofia , mas sim por um grupo de pessoas das mais variadas áreas dispostas a pensar criticamente sobre os mais diversos temas da filosofia.
Estes Cafés Filosóficos têm também como objectivo o de possibilitar às pessoas algumas horas de agradável e civilizada discussão filosófica, ressuscitando um pouco o espírito e o ambiente saudáveis que conhecemos dos diálogos socráticos de Platão. Esse objectivo foi também, a meu ver, totalmente cumprido.
Não nos devemos nunca esquecer que a Filosofia é "filha da cidade e da democracia" e que a liberdade de expressão e a boa educação também.
Muito obrigado a todos os participantes do Café Filosófico, espero voltar a ver-vos a todos.
- Segue o texto utilizado para suscitar o debate e agenda da discussão que se seguiu.
- Segue o texto utilizado para suscitar o debate e agenda da discussão que se seguiu.
Texto
"A Chave de Casa",
de Gonçalo M. Tavares, in O Senhor Valéry
Saído de um tribunal onde se ouviram versões contraditórias do mesmo acontecimento, o senhor Valéry disse:
_ A única possibilidade de a verdade sobreviver é multiplicá-la. Se a verdade é uma única, e a mentira pode ser todos os outros biliões de possibilidades que restam, então, descobrir a verdade será quase impossível: um acaso milagroso; e a mentira, pelo contrário, aparecerá sempre, em todo o lado.
E, para exemplificar o que dizia, o senhor Valéry fez um desenho
- O que é preciso é ter tantas verdades como mentiras – disse o senhor Valéry. (E desenhou)
- ...ou então ... – e o senhor Valéry não conseguiu deixar de fazer um sorriso irónico, enquanto desenhava
_ ... ou então – concluiu o senhor Valéry – é necessário ter uma única hipótese para a mentira.
O senhor Valéry regressou de tal forma contente, com as conclusões que tirara da sessão de tribunal, que só quando viu que as chaves não entravam na fechadura se apercebeu de que estava em frente à casa errada.
- Cá está – murmurou o senhor Valéry – se todas estas casas fossem minhas, com a excepção de uma, provavelmente não me tinha enganado. Seria mesmo muito azar enganar-me.
- E com este pensamento na cabeça o senhor Valéry, sem se aperceber, estava, de novo, em frente a uma porta errada.
- Se ao menos fosse rico – murmurava o senhor Valéry – não me preocuparia com a mentira.
E de tanto forçar a chave numa fechadura errada o senhor Valéry acabou por parti-la, o que muito o irritou.
Felizmente tinha sempre consigo uma segunda chave. E para não falhar de novo concentrou-se totalmente na tarefa, esquecendo, assim, por momentos, os seus raciocínios.
E desta vez a porta abriu-se.
Agenda de Discussão
1 - O que é a verdade
2 - Poderão duas verdades distintas coexistir?
3 - Para uma verdade há uma mentira?
4 - Há mais verdade ou mais mentiras?
5 - Podem comprar-se as verdades?
6 - Como podemos conhecer a Verdade ou a Mentira?
7 - A Verdade é una?
8 - É possível educarmo-nos para a verdade?
9 - Pode existir verdade sem falsidade?
10 - A verdade salva?
* foto gentilmente cedida por José Rui M. Correia
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