Treze amadores da filosofia sentados em círculo rodeados e observados por 17 rostos de homens e mulheres, sobretudo velhos e velhas, de aldeias de Trás-os-Montes que, como escreve a Chantal Guilhonato no texto em baixo, "não falam mas inspiram."
No círculo os filósofos começaram por discutir se os "urbanos" são mais cultos do que os "rurais". Depois procuraram saber quem é mais "puro" e mais "livre".
Indiferentes a tudo isto os 17 rostos continuam nas paredes da Casa do Alto, até ao dia 11 de Janeiro quando termina a expsoição de fotografia "A VIDA É UMA COISA IMENSA" do nosso amigo José Rui Moreira Correia.
"Ementa Filosófica
Entrada:
Prazeres salteados
(Servidos no 5º aniversário do Café
Filosófico – Livraria Leitura)
Estaladiço egoísmo recoberto por uma
fina camada de altruísmo.
Prato Principal
Soufflé de estrelas
(Servido no 197º Café Filosófico –
Planetário do Porto)
Morte soprada envolta por aéreas
claras de vida.
Sobremesa
Suspiros de gente
(Servida no 198º Café Filosófico –
Casa do Alto)
Crocante de tradições.
«...A vida é uma coisa imensa, que
não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero
inteiro dum homem». Quando recordei estas palavras do Torga, nas
quais o Zé Rui se inspirou para dar nome à sua exposição
fotográfica, imaginei um estômago sem fim.
Com apetite, sento-me, em círculo, na
Casa que fica no Alto. Conto rapidamente 13 pares de olhos.
À nossa volta, são mais numerosos, 17
no total. Rostos de Trás-os-Montes capturados, quase sempre, a preto
e branco.
Não falam, mas inspiram-nos a todos.
Surgem perguntas:
- Estas pessoas são felizes? (Zé Rui)
- Faz sentido ter medo de envelhecer?
(António)
- O Homem rural é mais puro que o
Homem urbano? (João Paulo)
- Quem tem mais a aprender com quem?
(Tiago)
- A morte destas pessoas representa a
morte de uma tradição? (Rui)
- A pose destas pessoas (fotografias do
Zé Rui) é uma encenação? (Filipe)
- Faz sentido ter pena destas pessoas?
(Tiago)
- Quem é mais culto? (Tomás)?
- Há arte por acaso? (António)
- Quem é mais livre? (João Paulo)
e pensamentos para a pergunta mais
votada «Quem é mais culto?».
Surgem contornos de um Nova-iorquino a
perguntar caminho à aldeã montada no dorso de um burro acomodado.
- Mais civilização é sinónimo de
mais cultura? (reformulação da pergunta inicial do António, se
cultura seria um sinónimo de civilização).
- Quando falamos de cultura é de um
ângulo quantitativo ou qualitativo? Tiago que avançou com uma
resposta à pergunta inicial: é a aldeã porque tudo aquilo que ela
sabe tem a ver com as suas necessidades.
- Porque é que a cultura que tem a ver
com necessidades é mais valiosa que outro tipo de cultura? (Rui)
- Cultura é algo que nos transcende e
que não tem a ver com o que se faz no dia-a-dia. A cultura eleva-se
às necessidades (Filipe).
- O que define a humanidade? (Luís)
- Costumes = respeito pelas tradições vs cultura urbana = progressão no tempo (Carlos)
Não sei o que «A Pastorinha Glória»
está a achar de tudo isto mas, e ao observá-la, percebo porque
debatemos a segunda pergunta formulada no início: «O Homem rural é
mais puro que o Homem urbano»?
- Não, pode ter menos vícios mas não
passa de uma diferença de parâmetros (Carlos)
- Não há mais pureza nem de um lado
nem do outro (João Paulo)
- No mundo rural existe uma maior
pressão social pelo que as pessoas não podem ser verdadeiramente
autênticas. No mundo urbano, e fruto de um maior anonimato, as
pessoas são mais autênticas (António).
- Pureza: estar mais perto dos primatas
- Pureza: estar em harmonia com a
natureza (Luís)
Se o Nova-iorquino subisse para cima do
burro e a aldeã fosse levada para o Central Park, quem sobreviveria
melhor?
«Depois do Calor», o que se ouve?
Bach, Tony Carreira ou uns Batuques?
- Cultura é mais do que arte, tem
outras valências (Luís)
- Pureza: despojamento de
superficialidade (Chantal)
- O Homem urbano é mais puro porque
tem mais consciência de si mesmo (Ricardo)
- Há culturas superiores e inferiores?
Se sim, Hitler poderia ter razão? (João Paulo)
- Há cultura superiores porque
procuram promover um maior bem estar para um maior número de pessoas
(Rui)
- Apesar de se constatar que existem
culturas superiores e inferiores, isso não legitima que se possa
acabar com as culturas inferiores (Tiago).
- Há culturas que de tão inferiores
(como a nazi) merecem ser eliminadas? (Tomás)
- Sim, se essa cultura for responsável
pela eliminação de outra(s) cultura(s) (Tiago)
- Existe uma confusão entre cultura e
quem a pratica. Deveria assim ser eliminada a cultura nazi e não o
povo nazi (João Paulo)
- Em vez de eliminação,
referir-mo-nos a «abranger» uma cultura noutra de forma a fazê-la
«desaparecer» (Luís)
«Quem é mais livre»? As gentes de
vinhais ou nós?
- Quem for mais feliz, neste caso os
rurais que estão em contacto com a natureza (Guiomar)
- E os condicionamentos provocados pela
natureza, como o frio? (Rui)
- (retomando a ideia anterior do
António): o urbano é mais livre porque sofre menos pressões
sociais (João Paulo)
- Tudo depende do uso que se fizer da
sua liberdade (Guiomar)
- Um homossexual na cidade sofre menos
constrangimentos (Tiago)
- Na sociedade urbana não existe maior
liberdade mas sim uma ausência de uma comunidade coesa. Trata-se
portanto de uma liberdade por ausência (Guiomar)
- Na sociedade urbana também existem
comunidades, como os góticos (João Paulo)
- Antigamente, as pessoas não tinham
escolha. Nasciam e morriam no mesmo local. Isso hoje já não
acontece pelo que podem escolher (Guiomar).
Enquanto bebemos um Porto, duas
senhoras vivem «no presente o passado» enquanto tecem.
Obrigada Zé Rui por esta inspiradora
viagem no tempo e obrigada Luís por nos teres recebido na Casa do
Alto."
Texto de Chantal Guilhonato
Foto de José Rui Moreira Correia
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