quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

106º CAFÉ FILOSÓFICO - A ESSÊNCIA DAS COISAS




Deus, lápis, amor, unicórnios, triângulos-quadrados, solteiros-casados, Barcelona e Real-Madrid.
É isto um Café Filosófico!


Éramos poucos mas bons nesta última sessão de Café Filosófico. Apenas seis filósofos se apresentaram no Yoga sobre o Porto, mas desde cedo percebemos que não ia ser uma sessão normal. Todos os presentes eram filósofos de café assíduos, ou seja, participantes regulares do Café Filosófico. Apesar de apenas três de nós sermos licenciados em filosofia esse pergaminho de nada nos valeria na discussão filosófica que se adivinhava. Todos os participantes  já conheciam bem as regras que regem este nosso "jogo dialéctico" onde mais que vencer uma disputa retórica ou defender uma qualquer agenda ou causa própria interessa aprofundar um determinado tema por forma a ganhar mais compreensão sobre ele e, ao mesmo tempo, mais compreensão sobre nós próprios e o nosso lugar no mundo. É isto um Café Filosófico!


A maratona filosófica começou pelas 22h00 e estendeu-se bem para além do dia seguinte.
Começamos por escolher a pergunta da sessão:

- As coisas têm uma essência?
Imediatamente foi detectada uma ambiguidade na pergunta:

Queremos saber se há uma essência comum a todas as coisas, ou se todas as coisas têm uma essência, mesmo que diferentes entre si?


O grupo preferiu seguir a primeira interpretação da pergunta, mais grandiosa! - Ouviu-se dizer. - E difícil - acrescentei.

Depois de um período inicial em que todos estávamos ainda um pouco perplexos com a imensidão da pergunta procurámos começar por encontrar as essências de "coisas", o que nos levou a uma discussão acerca de que coisas são coisas?


Começámos por um lápis, cuja essência definiu-se como um objecto marcador com uma condensação de material 50 (esta "condensação" não tem qualquer base científica foi apenas uma hipótese de trabalho onde atribuímos à resistência do lápis o meio de uma escala de condensação que ia de 0 a 100).


Apoiando-nos na tábua de categorias dos estóicos, Substância, Quantidade, Qualidade e Relação (os conceitos onde, supostamente, encaixa tudo aquilo que há) partimos para uma busca de "coisas" que não encaixasse numa destas categorias por forma a detectarmos pistas para captar uma qualquer essência fugidia, ou eliminar essas "coisas" da categoria de "coisas com essência".
A verdade é que, por esta altura, andávamos todos um pouco perdidos e não sabíamos ao certo se isto nos ia levar a algum lado mas, quais intrépidos exploradores que se aventuram em território desconhecido, arriscámos avançar na esperança de encontrar alguma coisa que nos ajudasse a chegar ao nosso destino, ou pelo menos a encontrar um qualquer caminho um pouco mais seguro que aquele em que agora nos metíamos.

Afirmou-se que o Amor era uma coisa que não podia encaixar na categoria de "quantidade", mas o Luís retorquiu que é possível quantificar o Amor em termos de impulsos neuro-químicos, de intensidade homonal.
A esta teoria reducionista em relação ao amor o Nuno contrapôs a ideia de que a essência do amor não está em algo físico mas numa apreciação subjectiva desse algo físico.



O Luís arriscou ainda a hipótese de - Deus ser, como um triângulo quadrado, ou um solteiro-casado, um objecto impossível que, como tal, não poderia entrar no grupo das "coisas". A esta teoria eliminativista de Deus do "mundo das coisas" o Alexandre improvisou que Deus - mesmo não sendo efectivamente existente era, ainda assim, possivelmente existente (como um Unicórnio, por exemplo), logo poderia entrar no tal "mundo das coisas" com essência.


A discussão arriscava-se a perpetuar-se neste aparentemente inultrapassável problema, o de saber se estas "coisas" de que falávamos (Lápis, Amor e Deus) estavam ou não a ser alvo de um Erro de Categorização - deviam ou não ser consideradas "coisas" - e pela solução deste problema passava a possibilidade de resposta à pergunta inicial:


- As coisas têm uma essência? (não, não nos tínhamos esquecido que o objectivo desta sessão era responder a esta enorme pergunta, no entanto, a melhor forma de avançar em filosofia não é em linha recta, mas em círculos concêntricos e haviam outras perguntas que tínhamos que confrontar em primeiro lugar:

- O que é uma coisas?
- Que coisas são "coisas"?
- O que é preciso para que uma coisa seja uma "coisa"?


Depois destas divagações o Manuel sugeriu que a essência das "coisas"- mesmo aceitando a hipótese de "coisas impossíveis" como triângulos-quadrados, solteiros não casados, ou Deus (?) - seria o serem 1 (unidade).

Algumas vozes se levantaram contra esta hipótese - incluindo a minha - pois parecia-nos uma essência demasiado pouco informativa e talvez um pouco circular. A essência das coisas é serem uma coisa - parecia dizer.

Mas essa primeira hipótese de resposta permitiu-nos avançar para as seguintes e, pareceu-nos na altura, mais completas respostas:

A essência de uma coisa é ser igual a si própria - foi a minha proposta, prontamente melhorada pelo Nuno.

Finalmente, ao fim de três horas de discussão intensíssima chegámos aquela que é a resposta que apresentamos ao mundo:


- As coisas têm uma essência?

-A essência de uma coisa é a especificidade da sua relação com o ser.

Na verdade, tendo consciência que a filosofia é uma "estrada que nunca mais acaba", todos encarámos esta resposta não como uma conclusão final, uma resposta definitiva, mas como uma resposta incompleta, mais uma hipótese para pensar que servirá certamente de ponto de partida para outros Diálogos Filosóficos como este.

Independentemente de se concordar ou não com estas respostas que fomos produzindo e de as considerarmos mais ou menos meritórias do adjectivo de filosóficas, a verdade é que o nosso esforço foi sem dúvida alguma filosófico. É em sessões como estas que sentimos o que certamente sentiram Sócrates e os seus amigos quando discutiam pelas ruas de Atenas questões impossíveis como esta que aqui nos trouxe. Além disso, mesmo que as respostas não tenham a qualidade de filosóficas para algumas pessoas, a forma como avançámos na nossa investigação, arriscando hipóteses para responder a perguntas enormes, apoiando essas hipóteses com engenhosos argumentos, pensando em refutações a esses argumentos e contra-argumentos a essas refutações, estipulando definições, usando conceitos operativos que nos permitiam pensar em hipóteses ainda mais arriscadas, recorrendo a experiências mentais, analogias, metáforas, comparações, exemplos, contra-exemplo e outras "bombas de intuição" semelhantes, a verdade é que, dizia, ao fazermos tudo isso fizemos em três horas mais filosofia que um estudante normal faz desde o 10º até sair da Universidade.

E foi assim que alguns de nós decidiram passar o serão em que na televisão dava um Barcelona- Real Madrid Há doidos para tudo. Faltavas lá tu!





1 comentário:

Anónimo disse...

mil vezes a essência de um café...que a essência da bola eheheeh...Espero ter disponibilidade para dia 19 poder estar presente. Joana B