sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Tudo isto é um Grande Café Filosófico!

Escada espiralada que dá acesso ao espaço Yoga sobre o Porto


A ligação entre os vários Cafés Filosóficos nem sempre é óbvia. Isto porque mais que uma ligação temática (ou problemática) é uma ligação feita pelos fios da subjectividade, da intencionalidade, dos interesses e preocupações de cada participante destas sessões. Ora, estes fios são invisíveis para todos os outros que não o sujeito que os tece.

Agora que ultrapassámos os cem Cafés Filosóficos a ideia que fica é que tudo isto é, na verdade, um Grande Café Filosófico que começou em Novembro de 2008 e ao qual regularmente voltamos após alguns períodos de descanso no "quotidiano não filosófico" em que somos obrigados a viver.

Julgo que é disto que este texto da Chantal Guilhonato nos fala e que a escadaria do número 100 da Rua dos Carmelitas (local do Café Filosófico no Yoga sobre o Porto) tão bem ilustra:
o caminho em espiral que temos vindo a percorrer desde Novembro de 2008.


No centésimo Café Filosófico foi servido um Porto de Honra gentilmente oferecido pela Porto Ramos Pinto



Do 102º Café Filosófico para o 100º, por Chantal Guilhonato


O corredor é amplo e pertence a duas casas.
Elas parecem não se importar. Acho até que gostam. Não se resguardam por trás de cortinas, vestindo apenas vidro fino. Na sua nudez, deixam-se observar por quem passa.
O corredor é amplo e conduz a três lanços de escadas que dividem atenções com um experiente elevador.
Subo, a passos, em direcção ao "Pensar o Impensável", o desafio do 102º Café Filosófico. Olho para baixo e esqueço qualquer verdade absoluta. Por pouco tempo. O aroma do chá, que se funde com o do método do pensamento crítico, liberta algumas delas:


"A verdade é uma." (Lara)

Objectividade foi o conceito essencial encontrado sob esta afirmação, prontamente refutada pelo Paulo com a hipótese de que "a verdade é uma interpretação". Para o grupo a refutação do Paulo saía do plano da Objectividade da verdade para o da Subjectividade.


A frase inicial da Lara foi ainda refutada pela Maria de Jesus com a ideia de que "a verdade é um conceito" Após alguma discussão foi votado o conceito de Subjectividade Convencional para classificar esta proposição e procedeu-se à re-classificação da frase do Paulo. Subjectividade Pessoal foi o conceito escolhido para a ideia de que a verdade é uma interpretação.


A "verdade absoluta" escolhida pela Lara, o mote para toda esta discussão de mais de duas horas, foi novamamente posta em causa pelo João com a seguinte hipótese: "a verdade é uma utopia necessária." Subjectividade Universal foi o conceito encontrado pelo grupo para diferenciar esta proposição das duas anteriores. A razão encontrada foi que apesar de ser algo subjectivo e pessoal, a ideia de verdade é algo que todos os seres humanos têm de possuir para poderem viver e sobreviver.

[nota: esta ideia de verdade defendida pelo João, o mais novo participante deste Café Filosófico, não andará muito longe da teoria pragamatista da verdade proposta por William James, e actualmente defendida, por exemplo, por Richar Rorty.]

Uma sessão marcada pela atenção às palavras. Cada uma delas.
Despeço-me do espaço e volto, em boa companhia, para junto daquela coluna vertebral em espiral.
Olho de novo para baixo e sinto amnésia de qualquer verdade absoluta.
Ligo o carro e conduzo nas memórias do 100º Café Filosófico.


Copos perfumados a rigor. Perguntas soltas:

- "A nossa vida tem objectivo?" (António)

- "Qual o nosso lugar no universo?" (Angelina)

- "Pensamos melhor quando estamos desprendidos ou sóbrios?" (Simona)

- "Que finalidade desejaríamos para a nossa vida?" (Virgílio)

- "Qual o uso que damos à nossa vida?" (Jorge)

- "Porque é que existe o ser em vez do nada?" (Cristina)

A pergunta do António prevaleceu sobre as outras e encontrou a primeira resposta no seu autor na forma de um silogismo:

"Não porque somos iguais aos animais.
Os animais não têm objectivos
Logo não temos objectivos."

O grupo nomeou esta ideia de "tese do igualitarismo" pois a recusa de um objectivo para a vida do homem acentava numa suposta igualdade com a vida dos animais.

Discutida esta ideia, e refutada até ao ponto de o seu autor a "deixar cair", outras ideias foram avançadas para tentar responder à pergunta do inicial. Entre elas a "tese subjectivista" da Maria Manuel que defendeu que "a vida tem objectivos porque nós os criamos, mas não Um Objectivo."

Entretanto apresentou-se-nos a tese do José Rui para quem "a vida tem sentido por si mesma", e que foi posta em causa por alguns participantes para quem só um ser consciente e intencional pode conferir sentido à vida. A partir daqui o diálogo desenrolou-se em torno da questão de saber se o Caos enquanto origem da vida pode ter um sentido em si mesmo, ou se apenas uma inteligência exterior pode conferir sentido ao Caos e, como tal, à vida. Aflorou também a ideia de que a vida só faria sentido para um Criador omnisciente.

No fim da sessão, e em jeito de síntese, o Paulo arriscou a ideia que "a nossa vida tem objectivo porque o próprio objectivo da vida é manter-mo-nos vivos." Mais uma vez esta ideia encontrou alguma resistência e predispôs alguns participantes a prolongarem dialecticamente o Café Filosófico para lá de qualquer horário minimanente aceitável. Tivemos de acabar aqui mais um encontro filosófico no Piano-Bar do Clube Literário do Porto (três anos depois da primeira sessão exactamente no mesmo local).

Uma sessão com sabor especial registada num livrinho de memórias [ver aqui].
Obrigada Tomás pela tua partilha de leveza.

Nota final para os supositórios atómicos do Virgílio.
Chantal Guilhonato


No centésimo Café Filosófico foi servido um Porto de Honra gentilmente oferecido pela Porto Ramos Pinto


Mais uma vez, eu é que agradeço a todos esta oportunidade que me dão de regularmente refrescar a minha mente com as vossas ideias e pensamentos.
Abraços a todos,
Tomás


Registo do 102º Café Filosófico, por Paulo Pereira

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